Este portal nasce como o desenvolvimento de sínteses que transbordam. E transbordam de um balaio de processos formativos. Processos perpassados pela universidade pública, teoria e pesquisa. Por partidos, sindicatos e organizações. Pela gestão da coisa pública, espaços de formação e equipamentos culturais. Por arte, artistas, educadores, professores, alunos e jovens de cada ponta dessa cidade. Em todos eles, uma constante que se realizava tanto pela sua potência transformadora quanto pelo apagamento de seu brilho, ainda que esta fosse a demanda mais fundamental em todos estes espaços de trânsito. A formação. E o entendimento de que ele está necessariamente vinculado à todas as tarefas, trabalhos e processos dentro de todos estes lugares.
Compreender processos de forma totalizante pode ser um caminho para inúmeras transformações. Isso é válido tanto a nível individual, quanto a nível familiar, coletivo, nacional, global. O sentir também é dialético. E suas condições são materiais. Entender as camadas de complexidade, verificar historicamente e dialogar em busca de sínteses podem ser valiosos instrumentos para percepção crítica de processos. A compreensão de condições, sua história e relações pode elucidar tanto sobre nossos medos, anseios, dúvidas e sofrimentos quanto as opressões que nos esmagam. De fato, estas estão em grande medida interligadas.
Paulo Freire, ao escrever sobre o ato de estudar, afirma que tal ato exige de quem o faz uma postura crítica e sistemática. E que tal disciplina intelectual “não se ganha a não ser praticando-a” (FREIRE, 1981). E na busca por fomentar a disciplina intelectual crítica, proponho a forma mediação enquanto uma possibilidade socialização e construção de sujeitos agentes da produção de conhecimento.
É possível apreender a realidade e aprender sobre o mundo tratando sobre um vastíssimo leque de assuntos, temas e/ou situações. E isso é possível pelo fato de que todos os objetos, seres, instituições, fenômenos e coletividades são sínteses de múltiplas determinações históricas. De condições e relações sociais. E por elas somos inevitavelmente atravessados. Pelo entendimento de que “a estrutura e mobilidade do acontecer ligam-se ao ser” (MARCUSE, 1968).
Carl Sagan em seu livro e série Cosmos (1986), fala sobre a penalidade da projeção. E de fato, há inúmeras penalidades ao projetar a forma como se vê o mundo. Daí a necessidade em conhecê-lo de forma totalizante. Quanto mais texturas de complexidades, maior e mais definidas são as formas de pintura do mundo.
Tenho me apropriado - tanto no trabalho de pesquisa quanto na atuação com Arte Educação - da elaboração de Martin César Feijó sobre cultura para trabalhar com propostas de difusão e produção de atividades culturais, por reconhecer sua potência em processos formativos e de de reordenamento do sensível individual e coletivo. Em seu livro “O que é Política Cultural” de 1983, Feijó esclarece:
“Toda vez que ler a palavra cultura neste livro, ela será entendida como toda produção voluntária, individual ou coletiva, que vise com sua comunicação à ampliação do conhecimento (racional e/ou sensível) através de uma elaboração artística, de pensamento ou de uma pesquisa científica. (1983, p.8)
A noção de cultura proposta por Feijó reverberou e reverbera uma série de reflexões que desembocam no momento em que você lê este texto. Aprender através é, afinal, tirar proveito de cada situação, de cada acontecimento e cada descoberta - aprender com cada uma delas.
Aprender através é, em última instância, não fetichizar o saber e conhecer. É a prática crítica diária para si e para o mundo. É fomentar e realizar atividades culturais. Aprender através é fazer uso do que se aprende para transformar a forma como se vive, se faz, se produz, se relaciona. Aprender através é aprender com o mundo e se alterar. E nessa alteração, criar condições para alterá-lo. Pois não há separação entre um e o todo. Como nas palavras eternizadas pela mangaká Hiromu Arakawa: “um é tudo e tudo é um”.
Busco nessa proposta-empreitada o exercício da reflexão como uma tentativa de desvendar as potencialidades do saber através de procedimentos de pesquisa, de mediação e curadoria num processo de apreensão de si. De apreensão do mundo. Onde, através do conhecimento possamos, de forma coletiva e autodeterminada compreender como as múltiplas camadas da vida social nos afetam. E como as afetamos. Agentes do saber e da transformação. Como nos condicionam para que seja possível pensarmos maneiras de condicioná-las. De que desse processo possamos apurar nossa compreensão.
Leon Trotski, em seu livro Literatura e Revolução afirma que:
“Os homens preparam os acontecimentos, realizam-nos, sofrem os efeitos e se modificam sob o impacto de suas reações. A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens que vivem ou fazem os acontecimentos. Isso é verdadeiro para todas as artes, da mais monumental a mais íntima.” (2007, p. 35)
Quando digo para aprendermos através de arte, nunca é apenas sobre arte. Quando digo para aprendermos através de ciência, nunca é apenas sobre ciência. Pois podemos aprender através de absolutamente tudo. E como diz a canção: “ainda é cedo para não tentar”.
Deixo aqui o convite para que tentemos juntos.
Com carinho, Tamires Menezes São Paulo, 09 de Agosto de 2020
Referências, links adicionados e citações:
Ana Mae Barbosa. "Arte não se ensina, contamina-se pela arte". Canal Sesc São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ROz0EPOdkc0
Carl Sagan. Cosmos. Editora Gradiva, São Paulo, 1984.
Dingo Bells. "A sua sorte". Todo mundo vai mudar, 2018. Composição: Diogo Brochmann, Fabricio Gambogi, Felipe Kautz, Rodrigo Fischmann e Marcelo Fruet.
Paulo Freire. "Considerações em torno do ato de estudar". Em Ação Cultural para a Liberdade, Editora Paz & Terra, Rio de Janeiro, 1981.
Herbert Marcuse. “Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo Histórico”. Em Materialismo Histórico e Existência, Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1968.
Hiromu Hirakawa. "Volume 6". Fullmetal Alchemist, 2003.
Leon Trotski. Literatura e Revolução. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2007
Martin Cezar Feijó. O que é Política Cultural. Editora Brasiliense, São Paulo, 1983.
Sabrina Fernandes. M de Materialismo Histórico. Canal Tese Onze, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cKOaLaTJKAU